Estamos vivenciando o período de eleições para cargos de presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais no Brasil. Vou fazer um esboço de uma análise das eleições para presidente, em particular sobre o 2° turno.
Vivemos sob o sitema capitalista no que diz respeito a infra-estrutura econômica, e isso é muito importante frisar para entendermos quais forças atuam hoje na disputa do poder político. A economia brasileira alcançou um desenvolvimento muito grande no período pós-ditadura, mais precisamente com o início do Plano Real. Antes vivíamos o domínio da economia agrária, de poucas indústrias concentradas em pólos das grandes capitais e, em geral, multinacionais que produziam carros e eletrodomésticos, e no setor da indústria pesada tínhamos o monopólio das estatais no setor de siderurgia. A economia era voltada quase que exclusivamente para exportação agrícola e de matéria-prima como minérios. Quem representava essas forças econômicas politicamente eram os partidos ARENA, em geral dos latifundiários e militares, e o MDB que representava o capital internacional e os grandes empresários nacionais.
Com o fim do milagre econômico e a inflação galopante, o aumento da miséria entre as classes trabalhadoras devido à submissão econômica ao FMI fez com que o governo, para saldar compromissos de pagamento da dívida externa, executasse uma enorme sangria de recursos e taxa de investimento interno quase nulas, gerando um arrocho salarial insuportável, que foi caldo de cultura para a explosão de movimentos sociais e greves , onde surgiu o PT originariamente nas fábricas do ABC paulista e nos levantes camponeses sob direção de setores da igreja católica (paróquias locais onde se davam esses levantes) e alguns intelectuais professores universitários.
Quando as classes dominantes e seus partidos (ARENA e MDB) compreenderam que não se poderia sustentar o regime ditatorial trataram de cooptar o sentimento de revolta da população para realizar a transição de regime em um acordo com a ditadura evitando explosões sociais cujas conseqüências não se poderia prever. Esses partidos também mudaram seus nomes devido a seu desgaste político de história ligada a simbiose com o regime militar, onde a ARENA passou para PDS em que deste uma dissidência formou a "Frente Liberal", depois PFL e o atual DEM, e os que ficaram do PDS mudaram para PPR, PPB e atual PP. O MDB se mudou para PMDB em que uma dissidência formou o PSDB, e o próprio PMDB existe hoje dividido em duas alas, uma governista e outra oposicionista, e um movimento trabalista mais ligado a movimentos sociais porém nacionalista como o PDT, sendo o PSDB e PDT os que abrigaram a maior parte dos políticos tradicionais exilados.
O PT também passou por transformações, não nominais, mas ideológicas relevantes. Há uma teoria absurda de que o PT tenha surgido do MDB e PMDB, na verdade objetivamente condicionada para negar a origem de classe inicial do PT. O PT surgiu sim do movimento operário, sindical, dos movimentos sociais do campo, e causavam repulsa a todos dirigentes dos partidos patronais tradicionais inclusive PMDB e dentre seus dirigentes não havia sequer um político desses partidos. Tampouco eram por eles dirigidos já que seus dirigentes eram sindicalistas e dirigentes sociais, e alguns intelectuais forjados nos movimentos sociais e eleitos nos congressos do partido por delegados constituídos em suas categorias classistas. O programa inicial do PT era diametralmente oposto ao programa de qualquer partido patronal da época e o prtido entrava em confronto com todas administrações dos estados e municípios do PMDB. O social-democrata Franco Montoro foi um dos que tiverem que reprimir muitas manifestações dirigidas pelo PT contra ele enquanto estava no PMDB.
O PV que surgiu da intelectualidade inócua em 1986 como braço internacional do Partido Verde Alemão, pelas mãos de Gabeira e Sirkis, só tomou expressão agora com a entrada da ex-petista Marina Silva, sendo que mesmo esse atual crescimento não se deve a simpatia de seus atuais 20 milhões de eleitores a ideologia verde e sim a o que representa a personalidade de Marina que é vista por estes eleitores como alternativa ética ao atual modelo de gestão política brasileira e grande votação entre católicos e evangélicos.
Voltando à economia, pois dela necessitamos para entender que setores econômicos os partidos atuais representam, vejamos a virada econômica que ocorreu pós-ditadura. A verdadeira mudança ocorreu logo após a era Collor com o advento do Plano Real. Credita-se o mérito da criação do Plano Real a Itamar-FHC, o que é uma mentira. Eles são como que "laranjas" ideológicos utlizados pelo FMI e pelo capital internacional de EUA e Europa.
Alguns alegam que o FMI foi contrário a criação do Plano Real, o que é uma falácia política. O FMI foi o principal fiador deste acordo. A crise inflacionária brasileira gerou um impasse econômico que se não resolvido poderia gerar, e já estava gerando, uma grave crise política. Como nosso dinheiro estava desvalorizado, os recursos financeiros para pagamento da dívida externa tinham que ser cada vez mais volumosos e não tinham valor real para o FMI e o capital internacional, já que nossa moeda não valia nada no mercado internacional, e o país já não tinha mais da onde extrair recursos financeiros e nossas reservas se esgotando. A miséria e arrocho que essa política gerou causou um caos político. Quem não lembra das três greves gerais da época de Sarney? Os saques quase diários? As explosões populares, como a da central do Brasil? As ocupações de fábrica, como a da CSN e da Mannesmann mineira? O próprio impeachment de Collor? As intermináveis greves de servidores públicos que chegaram a durar 6 meses em alguns setores?
Diante desse quadro o FMI teve a solução: ao invés de recursos financeiros a dívida seria paga com o que se chamou de "conversão de títulos da dívida em títulos de capital", ou seja, as privatizações. Para isso deveria estabilizar nossa economia, para que as empresas que assumissem as estatais pudessem evadir capital financeiro estável e nos vender produtos industrializados com recursos financeiros, moeda, de valor. Eles resolveram dominar nossa produção de matéria-prima, algumas áreas de serviço fundamentais como telefonia, e tentaram, e em parte conseguiram, dominar a nossa produção de petróleo. Podemos constatar que as primeiras e grandes privatizações foram no setor de siderurgia, com a Vale e CSN e outras mineradoras brasileiras. A estabilização não foi um arrobo de bondade, e sim uma necessidade econômica e política. Tributou-se o crédito deste plano a Itamar-FHC para que tivessem autoridade política para aplicar as medidas econômicas mais impopulares como as privatizações, já que também a população notou o benefício do fim da inflação e passou acreditar que havia chegado a luz no fim do túnel.
O conjunto de medidas econômicas realizadas no Plano Real não são necessárias apontar aqui, mas todas contribuíram para a abertura do mercado para o capital internacional, e é inegável que gerou uma estabilidade muito benéfica para o nosso país. Só que FHC utlizou esse estabilidade unicamente para servir como fiel funcionário a seus patrões internacionais, não realizando políticas sociais significativas. Os recursos financeiros gerados pela estabilidade continuavam a ser entregues ao FMI, que ditava nossa política econômica e fiscal. Isso começou a gerar uma crise interna, o desemprego, o arrocho salarial, principalmente dos aposentados e servidores, perda de valor do salário mínimo, falta de investimentos na área de saúde, educação e segurança sob pretexto de "enxugamento das contas públicas", privatizações em que o capital internacional não entrava com dinheiro para comprar as empresas sendo subsidiado pelo BNDES, alta corrupção com escândalos freqüentes, fazendo com que a popularidade de FHC não resistisse da metade do seu segundo mandato em diante.
Em contrapartida, no PT e na CUT a corrente majoritária chamada "Articulação", formada por uma casta de dirigentes sindicais que se perpetuavam em seus cargos usando os métodos mais espúrios como contratação de gangsters nas eleições sindicais, impedimento da manifestação de seus opositores e outras lamentáveis ações, se fortalecia expulsando sistematicamente as correntes contrárias e mais à esquerda, em particular os "trotskystas", hoje representados por PSOL, PCO e PSTU. Esta burocracia sindical acostumada a negociar com a patronal foi modificando o programa do PT, suavizando seu discurso antes radical e adaptando o PT a seus interesses de manutenção e expansão de privilégios. Tendo Lula como seu principal dirigente, aproveitou-se da insatisfação da população com FHC, capitalizou-a para si e assumiu o poder como hoje se vê.
A história da assunção do PT ao poder pode se comparar a uma criança de rua que alguém convida para entrar em um restaurante e lhe diz que ela pode comer o que quiser, a crinça come tanto e esganadamente, sem modos algum, não se importando com quem está à mesa, e depois passa mal de congestão. Foi o que fez a burocracia petista. Agarrou-se à máquina estatal e sugou-a de todas as maneiras, envolvendo-se em escândalos grotescos de corrupção. Nisso tudo há de se destacar a inteligência petista de não mexer nos fundamentos da política econômica do Real. Fez um acordo com os bancos para que estes ampliassem o crédito e assim incluíssem os mais pobres na sociedade de consumo, porém depois os pagou com cerca de R$ 160 bilhões na recente crise financeira internacional, que, diga-se de passagem, não os afetou. A diferença foi o rompimento com o FMI, e a aproximação com as economias de países ditos "emergentes" como Rússia, Índia e China, compondo assim o chamado BRIC em que a primeira letra corresponde ao Brasil. O governo petista se beneficou do grande mercado interno e o nível das reservas para passar ileso pela crise internacional acima referida.
A burocracia petista se aliou ao PMDB mercenário e loteou a máquina estatal para conseguir esse apoio, porém no início teve mesmo de comprar apoio político no Congresso, os próprios votos dos congressistas, o que foi descoberto, e se chamou de escândalo do "Mensalão". Esse governo se caracteriza pela extrema corrupção, não se importando com a imprensa e com a opinião pública, apoiando-se na popularidade do presidente Lula, e nos bons ventos da economia brasileira. Além de presentear seu partido e os partidos da "base aliada" com cargos de confiança no serviço público, liberação contingenciada de emendas a partidários, e terceirizar serviços públicos sem licitação para empresas de partidários, o governo gasta milhões com propaganda. Em meio a campanha presidencial de Dilma , o escândalo da Casa Civil, a ministra Enerenice Guerra se vê envolvida em um mar de lama.
Serra não figurou como alternativa ética, nem econômica. No campo ético as lembranças com o governo FHC não são tão melhores que no governo Lula, e para piorar o aliado DEM mancha a campanha com Arruda em Brasília e Yeda Crusius dá péssimo exemplo no sul. No campo econômico a maioria esmagadora da população apóia o governo, mesmo Serra tentando se valer do legado do Real tributado a FHC.
Marina Silva, ex-petista, figurava como uma alternativa ética, porém como as pesquisas apontavam a superioridade de Dilma a tendência do voto útil parecia que iria prevalecer. Aconteceu, porém, algo inusitado. Circulou na internet uma grande campanha afirmando que Dilma havia dito que "nem Cristo lhe tiraria essa vitória" e de que ela era favorável ao aborto. Neste instante é importante considerarmos o que foi desconsiderado pelos analistas políticos. O peso do voto evangélico e católico no país. Marina é tida como membro da igreja Assembléia de Deus e por isso teve a simpatia do eleitor evangélico. O movimento evangélico tem crescido muito no país, e devemos lembrar que ainda somos um país católico, e de que boa parte da população brasileira é formada por idosos que defendem valores familiares, por isso o voto de cunho religioso apresenta hoje grande peso. Este voto estava capitaneado por líderes evangélicos e católicos que apoiam o governo, porém com essas notícias circulando maciçamente na internet não lhes foi possível conter suas bases.
Vemos hoje a disputa dos dois candidatos por esse nicho eleitoral, os cristãos, onde Dilma sai na frente buscando acordo com lideranças religiosas, católicas e evangélicas, e tendo que proclamar que é contra o aborto, apesar do programa do PT, que dirige sua campanha e dirigirá seu governo e comporá a maioria do Congresso nacional ser a favor.
Serra ainda não definiu sua estratégia, até o momento em que essas linhas são escritas, porém deverá buscar uma aproximação dos religiosos e focar nos ataques aos escândalos do governo petista.
Uma coisa é certa: os cristãos saíram fortalecidos nesse embate, pois se mostrou seu poder na sociedade. Mesmo que Dilma ganhe está muito comprometida com o que falou sobre o aborto e não se sabe com o que mais se comprometerá, pois ainda há a questão do casamento gay que não se sabe se será tocada nesta campanha, não sendo isso garantia de que cumprirá o que disse, o que deixaria os líderes evangélicos e católicos que a apóiam em uma saia justa com suas bases. Quanto a Serra vai ter que expor o que pensa sobre esses temas, já que é uma incógnita.
A TV Record que ganhou muito com o governo atual já iniciou propaganda aberta a favor de Dilma, pois com a ida para o 2° turno começou a bater um certo desespero e não contava com isso, não podendo ficar mais na moita, porque se Serra ganhar a Globo virá sobre ela com fúria total.
Dado o quadro, façam suas escolhas.
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